VIII



A Rosa De Ouro




No dia 15 de agosto de 1967, ano comemorativo do 250º aniversário do encontro da imagem de terracota no Porto de Itaguassú, a basílica de Aparecida recebeu das mãos do cardeal Amleto Giovanni Cicognani, legado "a latere" de Paulo VI, uma ROSA DE OURO, munificência do sumo pontífice. Esta ocorrência serviu para assanhar a aparecidolatria. Mobilizaram-se todos os recursos a fim de assinalar o evento com estrepitosas solenidades.



Esculpida pelo prof. Mário de Marchis, constitui-se numa jóia. Dois grandes ramos com folhas e botões de ouro se entrelaçam até o vértice onde se desabrocha a rosa, também de ouro. No lugar do pistilo da rosa engasta-se um opérculo, uma cápsula, que contém bálsamo do Peru e pó de almíscar, significando a fragrância da rainha das flores. Entre os dois ramos encontra-se esculpido o emblema de Paulo VI, pois ambas, a mariolatria e a papolatria, andam de parelha. E na base lê-se a seguinte inscrição: "Paulus VI PM – Apparitiopolitanae aedi sacrae B.M. Virgini Imm. – DD.III Non. Mar. A + MCMLXVII ".



A outros santuários marianos, como Guadalupe, Fátima e Lourdes, o pontífice Montini tem, outrossim, contemplado com semelhante presente régio.
Nós, os brasileiros conscientes da espoliação sofrida pela nossa Pátria, quando, ao tempo de sua Colonização, os clérigos carregaram o nosso ouro e transformaram Portugal num mero entreposto na execução dos seus planos de extorsão e chantagem carreando essa nossa riqueza para os depósitos do romano pontífice; nós, os brasileiros conscientes, sentimo-nos indignados com esse gesto de Paulo VI, pois desejamos que, em nome da Justiça, ele repare os crimes praticados contra o Brasil, devolvendo todo o nosso "metal precioso" guardado nos seus cofres vaticanos.
Dispensaríamos de bom grado o envio da ROSA DE OURO feita com as nossas próprias riquezas há séculos de nós roubadas.
Se esse presente se constitui num sarcasmo à Nação Brasileira espoliada em seus bens naturais pelo clero romanista, a ROSA DE OURO expressa sobremodo o contexto católico-romano de todas a eras.
Com efeito, expressa o catolicismo pós-conciliar, ainda mais alvorotado na mariolatria, porque ao benzer na Capela Sixtina, aquela jóia, em 5 de março de 1`967, quando a liturgia romana assinalava o IV Domingo da Quaresma, chamado Dominica Laetare ou Domingo das Rosas, o pontífice declarou na presença de uma representação brasileira: "No Santuário de Nossa Senhora Aparecida, ela (a rosa) dará testemunho de nossa constante oração à Virgem Santíssima para que interceda junto de seu Filho pelo progresso espiritual e material do Brasil (...) Vamos a Maria para chegar a Jesus. Amando desse modo Nossa Senhora, poderemos compreendê-la em sua real grandeza e, através dela, chegaremos ao Cristo, filho de Deus".


Dispensam-se profundos conhecimentos bíblicos para se constatar à luz do Evangelho os absurdos desse pronunciamento do papa.



Se as palavras pontifícias proferidas na oportunidade da bênção da ROSA DE OURO demonstram a relutância, a procrastinação, do catolicismo na idolatria, apesar da farta propaganda de suas reformas levadas a efeito pelo Concílio Ecumênico Vaticano II; se o envio dessa jóia é um insulto do clero romano ao Brasil, vilipendiado e espoliado por ele desde os primórdios de sua Colonização, quando aqui aportaram os primeiros missionários do embuste, a ROSA DE OURO comprova outra vez ser o catolicismo, embora rotulado com terminologia bíblica, a continuação e a sustentação do paganismo antigo.Catolicismo e paganismo se equivalem porque são idênticos. Ou melhor, o catolicismo é o nome atual do paganismo encarregado de enxovalhar os vocábulos mais sagrados, inclusive o Nome Sacrossanto de Jesus Cristo.

Onde terá ido buscar o catolicismo a prática de se oferecerem Rosas de Ouro senão no paganismo antigo?



Efetivamente, na mais longínqua antiguidade o paganismo celebrava a chegada da primavera e a uberdade da terra com típicas festas populares e cerimônias religiosas aos seus deuses, destacando-se as procissões quando o povo levava braçadas de flores e as depositava nos altares dos seus templos. O catolicismo, ao encampar quase todas as práticas do seu antecessor pagão, adotou também essas comemorações. Na Idade Média, quando o romanismo usufruiu o seu apogeu, recebia-se a primavera como a vitória sobre o inverno com procissões presididas por sacerdotes e bispos, em que os fiéis desfilavam portando flores colhidas nos campos e jardins, cristalizando-se assim o costume pagão. No século X a festa passou a ser celebrada no IV Domingo da Quaresma, Dominica Laetare, que sempre cai no princípio da primavera da Europa. Este domingo se apresenta como um parêntesis de alegria no tempo penitencial da Quaresma, o período precedente à semana chamada santa. Neste dia, então, o papa em Roma presidia a procissão das rosas – daí o domingo se cognominar também o Domingo das Rosas – levando uma ROSA DE OURO com a determinação de oferecê-la a altos dignitários, igrejas ou instituições religiosas. Encontra-se uma referência documental do ano de 1049 do fato de haver o papa Leão IX lembrado "a obrigação determinada ao mosteiro das religiosas de Santa Cruz de Tulle (Alsácia), em recompensa de terem sido isentas da jurisdição do bispo local e sujeitas diretamente ao sumo pontífice, do envio anual de uma Rosa de Ouro ou de doze onças do precioso metal" – que o papa destinaria, posteriormente, a eventuais ofertas.



A prática de se oferecer a Rosa de Ouro a santuários, catedrais, igrejas, dignitários eclesiásticos, príncipes, reis, imperadores, firmou-se como tradição e multiplicou-se enormemente durante o período de permanência dos papas em Avinhão (1305 – 1378). Dessa época, quando se compôs a fórmula de sua bênção especial, expressando os seus simbolismos, até o século XV, a dádiva consistia apenas em uma rosa que, freqüentemente, tinha também uma pedra preciosa incrustada. A partir desse século, especialmente depois do papa Sixto V (1471 – 1484), acrescentaram-se-lhe ramos, folhas e botões, mantendo-se, com freqüência, as incrustações de pedras de rara beleza e alto valor. Têm sido oferecidas rosas valiosíssimas. Sabe-se lá quanto ouro brasileiro, transubstanciado nessas flores, já anda espalhado mundo afora, enquanto nosso País se submete a ingentes sacrifícios na ânsia e na busca de melhores condições, que o libertem do subdesenvolvimento. Em 1886, Leão XIII, num impulso escandaloso de munificência perdulária, ofereceu à Rainha Cristina, regente da Espanha, uma Rosa de Ouro composta de 9 flores, 12 botões e 100 folhas – tudo em ouro – sobre um vaso artisticamente trabalhado.

E sendo a Aparecida um capítulo integrante da estrutura idólatra do catolicismo, fica-lhe bem uma Rosa de Ouro, reminiscência de antigas práticas pagãs...



Com a rósea e áurea honorificência, "o papa deseja honrar a riqueza espiritual do Brasil". Ofereceu-a ao santuário de Aparecida por se concentrar no culto a Maria toda essa riqueza. Sua entrega, a fazer jus ao seu valor intrínseco, ao seu simbolismo e à sua finalidade, deveria revestir-se de grande pompa. Começaram estas com a especial distinção de ser o portador da preciosa jóia, o cardeal Amleto Giovanni Cicognani, designado pop Paulo VI o seu legado "a latere" para vir de Roma ao Brasil investido no múnus de, em seu nome, depositá-la no altar da Senhora de terracota. O clero mobilizou todo o seu arsenal de recursos no sentido de recepcionar, à altura de sua dignidade, o cardeal legado. Em sendo outrossim o papa chefe de um Estado, o Vaticano, cabia ao Governo Brasileiro a tarefa de distinguir o "nobre" representante com as honrarias atribuídas aos chefes de Estado. A sagacidade do clero é inexcedível... Juntaram-se dois acontecimentos: o religioso e o político. Entrelaçaram-nos os padres, porque, na conformidade de seus propósitos, o acontecimento religioso do 250.º aniversário de Aparecida deveria provocar um acontecimento político a envolver as mais destacadas autoridades da Nação. Governadores Estaduais, chefes militares, ministros e o próprio Presidente da República, o Marechal Costa e Silva, lá compareceram no dia 15 de agosto de 1967. O pontífice, o soberano do clero, ao enviar a ROSA DE OURO como símbolo religioso, aproveitou a oportunidade para, como chefe de Estado do Vaticano, estreitar relações políticas com os políticos brasileiros. Nesse intento, pois, ofereceu ao Presidente Costa e Silva um crucifixo de ouro trabalhado, do século XIX, que pertencera a um célebre poeta francês. Esta peça riquíssima fica assentada num pedestal de oliveira. Ao Governador Abreu Sodré, de São Paulo, enviou uma medalha também de ouro.

Quanto ouro! E se propala a notícia sobre a pobreza dos padres...



O Presidente da República compareceu. Fizera-se acompanhar de sua esposa. Blindara-o rígida segurança sob a responsabilidade de 1.800 policiais. Por acaso faltaria à Senhora Aparecida poder para protegê-lo? De fato, alguns incidentes provocaram desapontamentos. O Presidente chegou de avião no aeroporto da Escola de Especialistas de Aeronáutica de Guaratinguetá. Muitos jornalistas o aguardavam. À última hora, porém, cancelou-se o valor das credenciais fornecidas pelo Comando da Escola e os rapazes da imprensa ficaram impedidos de se aproximarem do Supremo Mandatário da Nação. Na via Dutra, porque o legado do papa fora de automóvel de São Paulo a Aparecida, 7 km antes de São José dos Campos, três dos carros da comitiva do cardeal se chocaram causando vítimas. A grande massa popular postada fora da basílica no aguardo do pontifício "a latere", sofreu a inclemência da chuva intermitente e imprevista. E o acidente automobilístico provocou o atraso da chegada do cortejo cardinalício, obrigando os devotos à penitência mais prolongada das intempéries metereológicas. Estas ainda motivaram à última hora alterações em todo o programa. Os aborrecimentos, todavia, foram um pouco compensados com alguns incidentes jocosos. "A Folha de São Paulo" (16 de agosto de 1967) relata:

"Enquanto o cardeal-legado não chega, o padre Antonio Siqueira, vigário da basílica, fica no microfone. É quem provoca alguns sorrisos do Marechal e muitos da assistência. Seu apelido é "Dom Camilo", por sua semelhança física e modos 'acaipirados' de se dirigir ao público. Durante uma hora fez o povo dar vinte vivas a Nossa Senhora Aparecida, ao Presidente, ao cardeal-legado, às autoridades, a todo mundo. Depois da cerimônia, voltaria a puxar vivas e alertar, pelo microfone, os romeiros sobre o perigo de ladrões por lá".

É! Ao Exército sobravam razões quando montou um dispositivo policial tão rígido em torno da pessoa do Presidente. Se junto da Senhora Aparecida, há tantos ladrões que numa solenidade importantíssima, o vigário da basílica se vê na contingência de prevenir os fiéis contra os "lanceiros", por que confiar na "santa"? Se ela não protege os seus devotos dos ladrões, acaso protegeria o Presidente de algum terrorista?



Ainda em seu exemplar de 16 de agosto de 1967, "A Folha de São Paulo" conta: "Durante a cerimônia religiosa, Costa e Silva saiu do seu ar sério e compenetrado. Um padre, junto com Dom Antonio Macedo, lhe trouxe, em pergaminho, a ata da solenidade da entrega da Rosa de Ouro". Queria seu autógrafo no pergaminho, depois pediria o de todas as autoridades civis ali presentes... O Presidente não conseguia escrever com a pequenina caneta, especial para tinta nanquim. E borrou a sua assinatura depois de várias tentativas. Rindo, disse ao padre que, "quando virem isso, vão pensar que o Presidente era analfabeto". A "sagrada fome de riquezas" rói o coração do clero. Dinheiro é a sua máxima preocupação. Enquanto fotógrafos e cinegrafistas, durante as solenidades, procuravam fixar o legado papal nos mais diversos ângulos, o então núncio apostólico, Dom Sebastião Baggio, comentou em italiano: "se cada foto valesse um dólar, V. Exa. seria milionário".



Exposta na basílica de Aparecida, junto com a suntuosidade do templo e junto com a imagem, o móvel central de tudo, a Rosa de Ouro, "símbolo de Maria, a Rosa Mística, invocada na Ladainha Lauretiana", se tornou também objeto de culto. Diante dela os pobres devotos se ajoelham e através dela almejam obter bênçãos da padroeira. Com os intestinos roncando de fome se prostram diante do ouro... Jesus multiplicou pães para saciar os famintos e o papa multiplica rosas de ouro para, insultando a pobreza, agrilhoar as almas na escravidão da idolatria. Esquece-se o papa do Precioso Sangue de Cristo, o Cordeiro Imaculado e Incontaminado... E exibe ouro, como se ouro pudesse resgatar o pecador de sua vã maneira de viver (1 Pedro 1:18-19). Ao mencionar a "vã maneira de viver", o apóstolo Pedro se referia ao culto de imagens taxado pela Bíblia com as expressões mais contundentes como mentira, idolatria, falsidade, engano, adultério, prostituição e vaidade.