VI



A razão do novo surto do" Aparecidismo "




Em fins do século passado, Aparecida foi tirada de sua insignificância, onde permanecera por mais de cem anos após a morte do seu criador, o vigário José Alves Vilela. Em 8 de dezembro de 1888, o bispo de São Paulo, Dom Lino Deodato de Carvalho, benzeu um novo templo construído em substituição do anterior erigido pelo sacerdote inventor da "santa" e resolveu entregá-lo à administração de alguma ordem ou congregação religiosa.



A congregação dos padres redentoristas gozava, na época, de grande nomeada nos círculos romanistas, pois o seu fundador, o italiano Afonso de Liguori, além de ser canonizado santo, em 1839, havia sido, em 1871, proclamado pelo papa Pio IX, "doutor da igreja". Dentre as suas diversas obras literárias, destacam-se a "Teologia Moral" e as "Instruções e Método para os Confessores", pelo seu conteúdo repleto de normas utilizáveis com grande resultado no confessionário, o instrumento infernal da escravização das consciências.



Por causa da "importância" de Liguori, cresceu a influência de sua ordem religiosa, e também em razão da sua finalidade, que consiste em se disporem os padres, seus membros, a pregar missões populares. Distinguem-se estas por uma série de pregações retumbantes e fantasmagóricas com arremates de procissões imbecilizadoras.



Liguori estabeleceu a sua congregação para a Itália Meridional do seu tempo, com uma população rural ignorante e de sangue quente. REferindo-se a esses italianos, o clérigo redentorista Hitz, observa: "gostam das manifestações fortes... São superficiais, levianos, desmazelados, supersticiosos, e apegam-se, sobretudo, às práticas exteriores da religião" (Hitz – "A pregação missionária do Evangelho", Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1962, pág. 181). Foi para conservar esse povo agrilhoado às superstições romanistas, assim considerado pelos seus líderes religiosos, que Liguori determinou, com minúcias, os temas e os esquemas dos sermões das "santas missões" a serem pregadas por seus padres. No plano do fundador dos padres redentoristas, os fiéis devem, ao final desse trabalho, ser encaminhados ao confessionário para que se consume o seu cativeiro espiritual. As "santas missões" dos redentoristas fundam-se num moralismo antropocêntrico, infinitamente distante do Evangelho. Aliás, servem bem ao romanismo, cujo ritual coloca o endeusamento da criatura acima de tudo.



O bispo de São Paulo, Dom Lino Deodato de Carvalho, julgou os brasileiros semelhantes aos depreciados italianos meridionais por estarem também, os nossos patrícios, seus contemporâneos, encharcados das superstições católicas. E entregou o templo da Senhora Aparecida à direção dos padres redentoristas, em fins de 1894. Esses padres, incontinenti, começaram suas incursões fanatizadoras pelo Interior dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro, por meio das missões populares, quando divulgaram profusamente as lendas referentes à Senhora Aparecida. O nosso povo, humilde e distante das fontes puras da Bíblia, aceitou ingenuamente e sem qualquer exame, essa fábula, que, também eu, em criança, ouvi. Pelo confessionário, os redentoristas impunham aos fiéis, narcotizados com as suas mentiras e modelados aos seus caprichos, penitências de rezar fórmulas especiais à Aparecida e de ir ao seu santuário em romarias.



O povo desprovido de recursos essenciais a uma subsistência condigna e imerso nas trevas do analfabetismo, é sempre presa fácil dos embusteiros, máxime quando se apresentam revestidos de roupagens exóticas e com a voz repassada de acentos ameaçadores. Os pregoeiros do "aparecidismo" espalharam entre o nosso pobre e abandonado povo, no intuito de fanatizá-lo e escravizá-lo mais, aquela deslambida "Oração a Nossa Senhora Aparecida para pedir a Sua Proteção", que assim começa: "Oh Incomparável Senhora da Conceição Aparecida, Mãe de Deus, rainha dos anjos, advogada dos pecadores..." Em seguida a esta relação de tantas heresias, o pobre brasileiro suplica-lhe que o livre da "peste, fome, guerra, trovões, raios, tempestades e outros perigos e males que nos possam flagelar". Aconselhado pelo missionário, o simplório cola o papel dessa reza atrás das portas de sua casa e se supõe imunizado, protegido e livre de todas as desgraças.



Quando eu era pároco em Guaratinguetá, num domingo, fui rezar missa numa capela da zona rural. Desabara durante a noite precedente um horrendo temporal. E a notícia lúgubre enchia de tristeza todos os moradores da região! Um raio penetrara numa choça e fulminara todos os seus moradores. Encaminhei-me para lá. Entrei no casebre. Olhos esgazeados de pavor, encontrei três corpos esturricados no chão. E atrás das portas toscas a protetora reza da "incomparável"...



As primeiras "santas missões" populares produziram os frutos esperados. Já em 1900 começaram as romarias. O novo bispo de São Paulo, Dom Antonio Cândido de Alvarenga, continuou o interesse de seu antecessor, Dom Lino, pela Aparecida, pois previa os resultados financeiros com o comércio da credulidade das massas. Em conseqüência, não só incentivou os vigários das paróquias a promoverem romarias, mas, ele pessoalmente organizou uma. A comercialização e a traficância da devoção à Senhora Aparecida tornaram-se rendosas, além de todas as estimativas, que o bispo de São Paulo não admitiu se tornasse ela paróquia da Diocese de Taubaté.



Com efeito, em julho de 1908, o papa Pio X desmembrou da Diocese de São Paulo, que abrangia todo o território do Estado, as dioceses de Botucatu, Campinas, São Carlos, Ribeirão Preto e Taubaté. Esta incluía todo o Norte do Estado de São Paulo, desde o Município de Jacareí, inclusive, até o limite do Estado Fluminense, à exceção de Aparecida que, apesar de encravada bem no centro do bispado de Taubaté, continuava pertencendo à jurisdição eclesiástica do arcebispado de São Paulo. Ocorreu esta anomalia escandalosa como resultado da ganância do arcebispo, ávido de se locupletar com as fortunas continuamente depositadas nos cofres da Senhora Aparecida. Em 1931, conforme já referimos, vieram sua proclamação e coroação como padroeira e rainha do Brasil, em execução de uma astúcia política.



Antes, o padroeiro do Brasil era "São" Pedro de Alcântara, que, por haver sido membro de ilustre e principesca família espanhola durante o domínio da Espanha sobre o Reino de Portugal, obtivera de Roma esse "padroado". Os tempos eram outros e o povo brasileiro não se tornara fã do frade espanhol. Então, os "ordinários" brasileiros decidiram aposentá-lo e arranjar do papa um outro padroeiro. Afora o prestígio popular, o candidato, por certo, precisaria satisfazer injunções políticas e ter a sua Meca localizada onde houvesse maior concentração demográfica. A paraense Senhora de Nazaré, a capixaba Senhora da Penha e o baiano Senhor do Bonfim, se bem que prestigiados popularmente em suas regiões, careciam satisfazer as outras condições.Cumprindo-as todas a Senhora Aparecida foi a eleita.



Mais recentemente, em junho de 1958, o papa Pio XII criou a Arquidiocese de Aparecida, com o território da paróquia do mesmo nome desmembrado da Arquidiocese de São Paulo, e de outras paróquias retiradas da Diocese de Taubaté. Não obstante, porém, todas as promoções em torno da divulgação dos "fatos" relacionados com a Aparecida, das demonstrações de fé na mesma, das romarias, de suas imensas riquezas... Não obstante os padres afirmarem – da boca prá fora – que crêem na aparição prodigiosa da Senhora Aparecida... Apesar da oferta da Rosa de Ouro pelo pontífice Paulo VI e sua aparatosa entrega em agosto de 1967... Apesar de tudo isso, até hoje, o Vaticano se conservou silencioso a respeito.



Desafio a qualquer padre de Aparecida a que me apresente um documento do pontífice romano pelo qual haja pronunciado sobre a autenticidade dos "acontecimentos prodigiosos" pelo clero divulgado entre o povo. Eles não aceitam o desafio porque nem o papa crê nesse "prodígio". Bem ao contrário! Ele sabe que tudo é falcatrua. E falcatrua tão mal engendrada que nem é capaz de forjar documentos, tática tão de sua índole. Só as pessoas fanaticamente narcotizadas pela idolatria não querem enxergar e continuam devotas da Aparecida.



A fim de dar aos padres reptados uma dose de calmante, apresento-lhes o parecer do monge beneditino, Estevão Bettencourt :



"_AS AUTORIDADES ECLESIÁSTICAS NÃO SE EMPENHAM POR DEFINIR A AUTENTICIDADE DE TAIS PORTENTOS, NEM MESMO A DOS EPISÓDIOS CONCERNENTES À APARIÇÃO DA SENHORA IMACULADA NO PORTO DE ITAGUASSÚ EM 1717... A SANTA IGREJA, DE MODO NENHUM, ENTENDE FAZER DE TAIS RELATOS MATÉRIA DE FÉ..." (in "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" – 71/1963, QUESTÃO 5.)



Católico! Não continue enganado!
Use sua cabeça para raciocinar e não vá mais no conto do vigário! O próprio monge beneditino Estevão Bettencourt declara que aquilo tudo não é "matéria de fé". Ele não crê! Nem o papa e nem os padres prestam fé aos seus relatos sobre a Senhora Aparecida!