III



Nem a ganância me abriu os olhos




Sentia, outrossim, a frieza espiritual naquele ambiente de clérigos, profissionais da religião. Sempre os vi tratando das coisas de sua seita com ganância sórdida. Só lhes interessava o que dá lucro. A respeito de qualquer assunto, a pergunta é sempre esta: – Quanto rende? – acompanhada do sinal característico de se friccionarem as pontas dos dedos polegar e indicador.



E fazem graça disso até na sua emissora. Certa feita, chegou uma carta, perguntando sobres as riquezas da Senhora Aparecida. Respondeu-a Victor Coelho de Almeida, no seu programa radiofônico: – "Sim, 'Nossa Senhora' é muito rica. Rica mesmo! Ela tem hotéis, restaurantes, bares, casas de aluguel – muitas casas de aluguel! – kombis, peruas, automóveis. Ela tem muito dinheiro... Dinheiro que os seus fiéis mandam e trazem... Ela tem muitas jóias, anéis, braceletes, colares. Ela tem muito ouro e pedras preciosas. Até a princesa Isabel lhe deu preciosas jóias. Quem tem ouro e pedras preciosas, mande para 'Nossa Senhora'...



A cupidez é tamanha que as suas lojas não respeitam sequer o Domingo. Se se cerrarem as suas portas deixarão de ganhar no dia de maior afluência de peregrinos. O devoto chega para cumprir uma promessa. Compra uma vela na loja pertencente aos padres e, a propósito situada ao lado da basílica e anexa à porta de entrada da emissora. Ao entrar no templo, porém, depara-se com a proibição terminante de acender velas. Apresenta-se-lhe, outrossim, a solução: _ deixar o brandão numa caixa adrede colocada ao lado do altar da "padroeira". O "pagador de promessa" sai na doce ilusão de que o padre vai, em sala adequada, queimar a sua vela em honra da santa. Engana-se porque um dos sacristãos recolhe todas as lá depositadas, levando-as novamente para a loja. E a vela do devoto caiu no círculo rendoso dos clérigos. Sai da loja. Vai para a caixa da basílica. Volta á loja. De novo na basílica..., E o dinheiro cresce na "caixa registradora".



Tudo lá é comercializado! E os redentoristas não admitem concorrência, nem por parte dos seus colegas de outras igrejas. Num fim de ano, um sacerdote do Rio de Janeiro, com o objetivo de angariar fundos para a construção de um templo, instalou, num terreno alugado, um presépio mecanizado e movido a eletricidade, cobrando dos interessados o ingresso ao local. Pois, os padres da basílica protestaram e obrigaram o coitado a "arrumar a trouxa e dar o fora". Todo o mundo só pode ver o presépio deles para lhes deixar o dinheiro. Em Aparecida, arrecadação de esmolas é direito reservado... De todas as partes afluem contribuições para os seus cofres. Mas, ninguém pode ir lá colher uma migalha... _A ganância atinge os paroxismos da usura!



Fui convidado para celebrar um casamento de pessoas amigas e muito ricas. Por ser sábado à tarde, havia muitos outros. Os noivos, meus amigos, pagaram todas as elevadas propinas estabelecidas pela direção do santuário aparecidiano. À medida em que os noivos adentravam no templo, ao som da "marcha nupcial", um servente da basílica enrolava o grosso tapete de veludo grená. É que logo atrás, entrava uma par de nubentes pobres. Não lhes permitiram as posses, pagar a taxa referente ao tapete e tiveram de passar "sob os olhares maternais da incomparável protetora dos brasileiros", por essa humilhação. O pior ainda aconteceu depois! Chegados junto aos degraus do altar da Senhora Padroeira, foram embargados seus passos pele referido servente, que os encaminhou a um altar lateral. A noiva, desconsolada, explicou ao sacerdote celebrante de suas núpcias, que viera do Paraná precisamente para casar-se no altar da "rainha" em cumprimento de uma promessa. Inúteis seus rogos e vãs as suas lágrimas... O padre irritado alegou que essa promessa não tinha valor algum e "mastigou", em cinco minutos, a fórmula do ritual. _Tudo isso me indignava. Mas, tudo isso consolidava ainda mais minha devoção à Senhora Aparecida. Compadecia-me dela por vê-la cercada desse deboche e explorada por essa chusma de crápulas .



Um bispo do interior paulista tem carradas de razões ao afirmar que a Aparecida é a vergonha do catolicismo no Brasil! O Concílio Ecumênico Vaticano II, falido desde seu início, foi incapaz de modificar essa situação sempre interessante para o clero cúpido, em cujo peito, ao invés de coração, encontra-se instalado um cofre. O Ministro Mário Andreazza, dos Transportes, a convite, visitou Aparecida, em 13 de julho de 1969. Cercaram-no de salamaleques os clérigos chefiados pelo arcebispo aparecidólatra, o cardeal Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, com a sua ladainha de reivindicações em favor da construção da nova basílica e de outras obras católicas. Surpreendido o cardeal e seus sabujos, incontido e sem subterfúgios, o Ministro demonstrou a sua desaprovação à permanência, ao redor da basílica, das "caixinhas" (pequenas bancas onde são vendidos santinhos, imagens e outros apetrechos aparecídicos). _Quase todos os dias frequentava eu a basílica, onde permanecia muito tempo rezando, de joelhos, o rosário diante da imagem. Desde a tenra infância, ansiei por certeza de minha salvação eterna. Procurei-a em inúmeras devoções a mim sugeridas ou aconselhadas. Busquei-a no exercício do ministério sacerdotal católico. Macerei-me, chicoteei-me, jejuei... Vali-me da prática da caridade, criando e dirigindo obras sociais. Tudo em vão...



Tomei-me de esperanças quando cheguei em Guaratinguetá. Imensa era minha expectativa de encontrar na Senhora Aparecida a bênção da certeza da vida eterna. Por isso, ia amiúde à sua igreja rezar longos rosàrios defronte da sua imagem, no aguardo de uma resposta celestial...